Solidão em tempos de pandemia? Existe. E o que mais?

--

Òwe Yorùbá
(Provérbio Yorùbá)

Pípé là ńpé gbọ́n
A kì í pé gọ̀

(Nos reunir é o que fazemos para nos tornarmos sábios
Nós não nos reunimos para nos tornarmos tolos)

Então… Tá foda.

Gente, como o meu intuito aqui é simplesmente me comunicar, sem normas ABNT, sem preocupações com escrita no formato acadêmico, utilizo o meu direito de falar com vocês desta forma.

Tá foda.

Desde Janeiro até agora, as três frases que eu mais ouvi até agora foram:

1 — Tá foda.
2 — Bactéria filha da puta
3 — Eu achei que esse seria o meu ano.

Vamos focar na terceira, porque inclusive é uma frase que eu mesmo digo toda semana, no mínimo e também porque já li/ouvi muito isso. Muito mesmo. Vi nas redes sociais que participo muita gente lamentando os acontecimentos e o momento atual porque a pandemia literalmente parou o mundo e consequentemente nossas vidas, o que é de fato algo lamentável.

Eu falarei por mim. Eu tinha planos para 2020. Grandes planos. Planos tão grandes quanto quaisquer planos que eu já tive em toda a minha vida. Inclusive fiz um texto a respeito, falando vagamente sobre. (Texto aqui), mas aí a COVID aconteceu (Bactéria filha da p…). Engavetou os meus projetos e fiquei “a ver navios”. E nesse momento, fui consultar a minha mãe, uma mulher de muita sabedoria e a pessoa mais positiva que eu já conheci na vida, sobre o que fazer a respeito. A resposta dela foi:”Meu filho, nem sempre as coisas são como queremos. O importante agora é lutarmos para tentar sairmos dessa pandemia melhor do que entramos”.

Eu não dei risada da minha mãe. Seria desrespeitoso. Também não quis contestá-la. Achei que seria importante não quebrar o alto astral dela. Mas em nenhum dos meus pensamentos isso seria possível. Estamos falando de não poder ir a praia, não poder ir a casa de Axé, não poder nem visitar minha própria mãe!

Bosta.

Porém, com o passar do tempo eu comecei a entender o que ela queria me dizer. Não é uma questão de sair melhor do que entramos, até porque para algumas pessoas isso é impossível; Perdas de entes queridos, perda de emprego, outros tipos de perdas incalculáveis e sem aquela válvula de escape para colocar as frustrações para fora (barzinhos, resenhas, etc…). Mas ela usou a palavra TENTAR. E isso é algo que de fato, pelo menos na maioria das vezes, dá pra fazer (óbvio que estamos falando da tentativa com foco na realização, não aquela tentativa baseada no “se for, foi. Senão, flw vlw). Tentar as vezes é mais importante que conseguir. Quando você se move, os ancestrais te ajudam nesse movimento. Seu Orixá te ajuda nesse movimento. A questão é aceitar que você é agente da sua história e como os antigos diziam, “O primeiro passo tem que ser seu, meu filho”.

Agora uma pausa pra falar sobre uma coisa: Em uma das histórias relacionadas a criação do mundo na cultura Yorùbá, quando já estava tudo pronto, não haviam caminhos para que as pessoas pudessem se locomover. Então Ògún, cujo nome era Alàákàyè (Senhor da Terra — veio a ser conhecido como Ògún depois) desceu na frente de todos os outros Òrìṣà, através das correntes de ferro, para criar as estradas para que assim houvesse movimento. Bonito, né?!

Mas aí entra uma questão crucial: Eu me sinto protegido e amparado pelo meu Òrìṣà e meus ancestrais e estou tentando me movimentar, mas e ai? Só isso basta?

Kí là bá bọ
ká tó bọ Òrìṣà?

O que devemos honrar
Antes de honrarmos Orixá?

Não. Não basta. A outra parte se chama Ẹbí (família). Antes de mais nada, não estou falando sobre família carnal somente. E sim de qualquer grupo ou pessoa com quem você tenha uma conexão “familiar”. Veja bem, quando você dá um Borí (comida a sua cabeça), seus irmãos e irmãs estão ali cantando e festejando seu Orí, certo?! Quando o fazem, isso gera positividade pra sua cabeça e consequentemente para a sua vida. Quando você consegue alcançar aquela meta que você queria, seus verdadeiros amigos ficam felizes por você, certo?! Querem comemorar e gerar alegria naquele momento de felicidade para você e consequentemente para eles. Poderia continuar citando inúmeras situações, mas penso que vocês já entenderam.

Kọ̀nkọ̀sọ ò dá ku èlùbọ́
(O crivo não peneira a farinha de inhame por si só).

Em uma família Yorùbá, nada é feito sozinho. Cada um tem seus deveres e direitos, respeitados pela sua singularidade que resulta no sucesso coletivo. A visão coletiva sempre vai/deve prevalecer em relação ao “que eu quero pra mim” e dane-se o resto. “Ah, mas ai eu vou deixar de fazer por mim pra fazer pelos outros?!” Não! Você vai deixar de fazer por você para fazer por NÓS! Eu sou porque nós somos! Se eu estou triste, os meus vão ficar tristes também, mas vão tentar me ajudar a levantar. O mesmo serve para a minha felicidade. Já pensou você ser o único remanescente da pandemia pra contar a história? Pra quem? Não rola.

Lembram quando eu falei sobre Ògún? Ele não veio sozinho. Muito pelo contrário, cumpriu o seu papel abrindo caminhos para todos, mas não foi ele quem trouxe o conhecimento das ervas, a caça e a estratégia, a comunicação, o fogo, e etc. O coletivo precisa existir pra tudo dar certo. Se você é filho de alguma casa de axé, sabe do que eu estou falando.

Quando você estiver bem mal nesta pandemia, e acredite, todo mundo teve e provavelmente ainda terá momentos bem baixos e tristes, lembre-se que você não está sozinho. Pedir ajuda é importante. Seu ẹgbẹ́ (coletivo, grupo relacionado ao axé)está aí pra você. Caso você não seja de axé, sua ẹbí (família)está aí pra você. Caso você não tenha ninguém e se considera sozinho, reveja seus conceitos, porque NINGUÉM consegue fazer nada sozinho. Nem que seja 1% do todo, mas sempre vai ter a mão de alguém. Eu espero que você sempre tenha alguém disponível para favorecer melhoras e abrir caminhos e espero que você seja a pessoa que faz isso por alguém. De coração.

Ẹ ṣeun, Ìyá mi. (Obrigado, minha mãe).

--

--