Oralidade e Òwe na Cultura Yorùbá

Òjìji Ìgbẹ̀hin aka Ogunmide
6 min readApr 25, 2021

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Òwe lẹṣin ọ̀rọ̀
Bí ọ̀rọ̀ bá sọnù, òwe la fi ń wá a

O provérbio é o cavalo das palavras
Quando a palavra se perde, o provérbio é o meio que utilizamos para a procurar

A oralidade está e sempre estará muito presente em nossas vidas. Não só por ser um dos princípios básicos da comunicação, mas também por entendermos o poder das palavras. Existem nomes que não podem ser pronunciados, palavras que são utilizadas para invocar forças ancestrais em momentos específicos e que só devem ser usadas ali, naquele contexto e só. Uma infinidade de coisas. Existem sim formas de se comunicar e ensinar através de sinais com as mãos, até mesmo através de tambores, mas o foco hoje é na oralidade.

A língua Yorùbá é, antes de tudo, uma língua espiritual. Existem coisas relacionadas a cosmogonia Yorùbá que só podem ser recitadas em Yorùbá. Não existem e não devem existir traduções. Quando tentamos traduzir ou trazer para o entendimento de uma outra cultura, principalmente judaico-cristã, acabamos por modificar a essência do que aquilo significa. Olódùmarè não é Deus e a nível histórico, não fez nada do que o Deus católico fez. Não criou um inferno, não criou um diabo, entre outras coisas. Usarmos uma visão de mundo eurocêntrica para trazer algo que vai totalmente na direção contrária pode ser fatal para a cultura Yorùbá.

Uma das formas mais comuns de comunicação são os Òwe, traduzido para proverbs pelos ingleses e consequentemente como provérbios aqui no Brasil (Existem muitos estudiosos como Oyekan Owomoyela e Onifade Abayomi que não acreditam que uma tradução consegue dar conta de toda carga ancestral e filosófica do termo Òwe, algo que eu já falei um pouco anteriormente). Os Yorùbá podem afirmar sem medo que os provérbios são “a internet da sua cultura”. É onde podem buscar as informações e direções em conselhos, em decisões e etc. O Rei, para ser Rei, deve ser mestre em Òwe. Cargos importantes em cultos também. Os anciãos de uma comunidade também precisam ser mestres nas palavras e nos Òwe. Os advogados e promotores utilizam Òwe em meio ao julgamento como forma argumentativa, tamanha a importância deles dentro do universo Yorùbá.

Onifade Abayomi define os provérbios e a oralidade na cultura Yorùbá da seguinte forma:

Para os iorubás, suas tradições orais têm uma base na realidade histórica. Eles são o relato de exploração de pensamentos e opiniões de grupo e individuais sobre sua experiência histórica e reflexiva. A literatura oral entre os iorubá inclui fábulas, folclores, enigmas, provérbios e prosa. A maioria dos críticos usa sua natureza não escrita e seu caráter “não direto” nos argumentos. Como tal, a maioria dos estudiosos considera o termo literatura para se referir apenas a trabalhos de literatura escritos ou documentados. Ajadi, por exemplo, argumenta que a ideia básica que não podemos ignorar no estudo da literatura oral africana é o fato de que é uma tradição não escrita, “transmitida” através dos tempos de uma geração para outra, através do boca a boca e como tal considerado oral. Sua oralidade não o torna menos literal do que os textos escritos.

Sabemos a importância da oralidade principalmente dentro dos terreiros e a necessidade de aprendermos sobre deidades africanas (voduns, Nkisis e Orixás) no dia a dia nas casas de axé. Quando se está na cozinha ajudando, você escuta as histórias dos mais velhos, os ensinamentos sendo passados, cantigas sendo cantadas e etc. Manter a tradição oral dentro dos terreiros é manter também, com orgulho e respeito, o esforço de todos os nossos ancestrais que se certificaram que os ensinamentos não acabassem junto com a sua passagem em vida, acreditando na continuidade de algo maior que eles mesmos.

Òwe, o termo, é uma junção de duas palavras: Ò-wé, que significa “algo que o envolve”. Òwe são muito comuns na educação dos ọmọlúwàbí (dedicarei um espaço específico para falar a respeito mais abaixo), ensinando as crianças o respeito a si mesmo e a sua comunidade, educação de base e como entender o que não é literal, algo que também está bem presente na cultura Yorùbá.

Onifade Abayomi justifica a importância dos òwe dentro da cultura Yorùbá e o porque dentro de uma gama de formas de ensinamentos através da oralidade, os provérbios são tão especiais:

De todas as formas de tradição oral Yorùbá, os provérbios yorùbá (devem) têm atributos e características especiais, que os tornam particularmente únicos e especiais. Essa singularidade vem do fato de que os provérbios são transmitidos de uma geração a outra como ditos verdadeiros, tendo sido testados pelo uso. Como tais informações, ideias e pensamentos obtidos deles seriam mais confiáveis ​​do que aqueles reunidos em outras literaturas orais.

Porém, não é como se qualquer pessoa pudesse sair por aí citando òwe em qualquer conversa ou contexto. Citar um òwe em meio uma conversa ou argumentação é citar conhecimento ancestral. Quando uma pessoa jovem usa deste artifício, seja para ilustrar algo que quer falar ou seja para argumentação, não é visto com bons olhos. Para os Yorùbá, a pessoa mais velha não tem só o dever com a sua comunidade de ser sábio, como tem o dever de passar esta sabedoria ao mais novo. Um òwe muito utilizado para ilustrar e lembrar isso a comunidade é Bí ọmọdé bá láṣọ bí àgbà, kò lè ní àkísà bí àgbà — Se um jovem tem tantas roupas quanto um idoso, ele não pode ter tantos rasgos. Esta conotação nos mostra que uma criança pode até obter a sabedoria de uma pessoa mais velha que ela, mas nunca terá a mesma experiência para saber onde e como usar esta sabedoria adquirida.

Quando o jovem tenta inverter esse papel, ele precisa no mínimo contextualizar com frases como “Ẹ̀yin àgbà náà lẹ máa ń sọ wípe” — Você mais velho/ancião é aquele que sempre disse isso — demonstrando o respeito ao mais velho antes de citar o òwe, ou “Àwọn àgbà máa ń sọ wípe “— As pessoas mais velhas sempre disseram isso, e dependendo do contexto ainda sim não será algo visto com bons olhos. Tenso.

Agora sobre Ọmọlúwàbí: O Ọmọlúwàbí é um conceito filosófico e cultural nativo do povo Yorùbá. É usado para descrever uma pessoa de bom caráter. O conceito Ọmọlúwàbí significa coragem, trabalho árduo, humildade e respeito principalmente aos mais velhos. A tradução literal pode ser confusa. Eu mesmo já vi umas três versões diferentes. Porém, o resultado é o mesmo; o objetivo de uma comunidade Yorùbá tradicional é formar Ọmọlúwàbí, e os provérbios são essenciais para isso.

Em um texto do cientista social Ademakinwa Adebisi: “Filosofia da educação tradicional Yorùbá na evolução de um Ọmọlúwàbí” ele fala:

A seriedade que o povo iorubá, se é que se pode reduzir a zero uma sociedade na Nigéria e em África em geral, atribui à educação é vista na filosofia expressa em “omo ti a ko ko” (a criança que não foi ensinada/formada). Para o povo iorubá, esta é uma ação ou inação negativa e o resultado disto é um presságio de um resultado negativo, não só para a criança, mas para a própria sociedade em geral. Assim, o povo iorubá acredita em “omo ti a ko ko ni yoo gbe’le ti a ko ta” (a criança que falhamos em “construir”. A palavra iorubá ‘ko’ ou treinar ou ensinar tem a mesma conotação de ‘construir’ que na construção de uma casa) O símbolo onomatopaico também é importante porque sublinha o fato de que se continuarmos a construir casas em vez de treinarmos a criança, esta irá no futuro vender as casas como um desonesto.

Que possamos continuar a dar a oralidade o respeito que ela merece. Que possamos sentar nos pés de um mais velho para aprender com ele e mais, que possamos nos tornar pessoas mais velhas com conhecimento para passarmos aos mais novos. Àṣẹ

Referências:

Yoruba Proverbs: Oyekan Owomoyela
2005 by the Board of Regents of the University of Nebraska All rights reserved
Manufactured in the United States of America

Onifade Abayomi: Philosophical significance of Yoruba Proverbs
University of Lagos, Nigeria

Taiwo Ehineni: Proverbs as Discourse Strategy in Yorùbá cultural interaction
African Study: University of Indiana

Ademakinwa Adebisi: Yoruba Traditional Education Philosophy in the Evolution of a Total man
University of Lagos, Nigeria

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