Cultura Yorùbá e Dança (Porque dançar faz bem)
Antes de irmos ao que interessa: Eu não sei dançar.
Na verdade, eu sei. Sei sambar, sei dançar forró… Gosto? não.
Porque não? Não sei. Só não gosto. Talvez eu seja tímido, mas a verdade é que eu não gosto de chamar atenção, seja por dançar bem ou mal. Aquela pessoa que gosta de entrar e sair dos ambientes sem ser notado… Eu mesmo.
MAS… Quando toca aquele Orin (música) pra qualquer Òrìṣà que seja vem o impulso de dançar na hora, né?! Aquela motivação, o sussurro no ouvido:”Vai dançar, carai!” O efeito Araketu:”O corpo estremece, as pernas desobedecem e inconscientemente a gente dança” vem que vem.
Bom, uma coisa é certa; Dançar é africano. É africano pra caralho! “Rebolar o cuscuz” é africano. Eu sempre brinco com as minhas amigas pretas que não dançam muito bem dizendo que estão com o “quadril colonizado” (foco no “estão” o que quer dizer que ainda dá tempo de revertera situação). E é isso mesmo. Até isso é colonizado. O que a branquitude chamava e ainda chama de “dança provocativa”, “promíscua” e etc, meus ancestrais faziam a muito tempo até como forma de celebração, de ritual, e vários outros objetivos. Dançar não é profano, e sim um ato sagrado. Dançar pode ser diversão, mas também pode ser algo muuuuuuuito sério. Ou os dois ao mesmo tempo. Todo e qualquer cerimonial Yorùbá sem dança é simplesmente inconcebível!
Ainda sobre as danças culturais Yorùbá, Omofolabo Soyinka Ajayi fala em um artigo de nome “A estética das danças recreativas iorubás, como exemplo a dança do Oge”:
“As festividades sociais obviamente não são as únicas ocasiões para essas danças; elas também são realizadas em ocasiões não específicas para realização puramente estética ou como expressão do bem-estar geral. No final de um dia de trabalho, por exemplo, amigos ou parentes se reúnem para relaxar, ou como eles dizem mú fàáji — ‘relaxe’. Nessas noites de fàáji, as apresentações de dança são destacadas ao lado de concursos de contar histórias e enigmas, jogos, cantos de poesia ou simplesmente compartilhar histórias. Ocasionalmente, também, uma forma de dança popular pode encontrar espaço para apresentação no final de uma cerimônia simbólica bem-sucedida, quando a inclusão de uma forma diferente, tematicamente e conceitualmente, não é mais uma distração dos objetivos desejados da cerimônia. Nessas ocasiões, as danças recreativas produzem um efeito catártico após a tensão do simbolismo significativo do evento”.
Ou seja, quem dança literalmente seus males espantam. Inclusive alguns males causados pela pandemia. Fica a dica ai. Coloca um som e vai dançar.
O povo Yorùbá, até onde eu sei, não tem vários ritos de passagem como a grande maioria das outras culturas africanas. Não existe um rito por onde você tenha que passar para se tornar um homem ou uma mulher, ou coisas do tipo. Existem obviamente processos iniciáticos, mas não são obrigatórios a todos e também variam de acordo com tradições familiares. Os ritos de passagem Yorùbá que são igualitários a todos podem ser definidos em 3: Nascimento, casamento e morte. E em ambos os 3, os tambores e as danças estão presentes, porque uma festa sem música e dança está longe de ser uma festa. Pelo menos não uma festa africana Yorùbá.
Quando uma criança Yorùbá nasce, o pai comunica aos homens da família e seus amigos mais próximos, pois o Ìdáwó Ìdùnnú (Celebração de alegria) está para começar. É uma festa exclusiva entre os homens para dar os parabéns ao novo pai. Eles bebem (vinho de palma principalmente…) e dançam pra comemorar. E aí, vem a cerimônia de apresentação da criança — Ijọ́-ìkómọ-jáde ( que significa Dia de apresentação da criança ao público) e o ritual de nomeação — ìsọmọ l`órúkọ . A cerimônia de nomeação chamada que está contida dentro da cerimônia de apresentação, que pode levar até 7 ou 9 dias após o nascimento para acontecer, dependendo se for menino ou menina. Nos dias de hoje é quase regra que seja no oitavo dia. É importante dizer aqui que a forma como acontece o desenrolar da festa tem muito a ver com as tradições daquela família especificamente, desde as comidas até a parte de oferecimento ao sagrado. Mas uma coisa é certa: Quem consegue dançar, deve dançar. Curiosidade: É importante dizer aqui que a criança Yorùbá sempre vai receber um nome (não há uma restrição pro número de nomes. Um bom exemplo seria a Magestade Real Ọọ̀ni Ifẹ̀ -Rei de Ifé - que possui trocentos nomes que remetem a toda a linhagem dele, mas enfim…) e um Oríkì, e esse só será usado por parentes próximos em momentos mais específicos, como elogiar a criança ou chamar a atenção.
Sabe quando a nossa mãe chama a gente e a gente sabe que deu ruim porque ela chamou pelo nome inteiro? então… Ser chamado pelo Oríkì é tipo isso.
Depois disso, tudo certo e tranquilo, o tempo vai passando com o bebê sempre no colo ou no berço. Até que chega o sonhado quadragésimo dia, que é o dia do ìjáde, um ritual onde a mãe coloca a criança amarrada nas suas costas, vestindo suas melhores roupas e sai por aí para visitar pessoas mais próximas que as recebem com muita felicidade. Esse período é MUITO importante para ambos porque a criança vai passar um bom tempo amarrada nas costas de sua mãe (leia-se 3 anos)e também porque acredita-se que quando a mãe dança com o seu filho ou sua filha amarrado(a) no próprio corpo, as vibrações geradas pelo corpo da mãe acabam sendo transmitidas para a criança, então a criança aprende a dançar, mesmo que seja por tabela seguindo os movimentos da mãe. Ou seja, dançar literalmente vem de berço.
OníṢàngó tó jó tí kò gbọn yẹ̀rì: àbùkù-u Ṣàngó kò; Àbùkù ara ẹ̀ ni
O devoto de Xangô que dança e não sacode as suas saias: Ele não está desgraçando Xangô, mas ele mesmo. (Devotos de Xangô usam saias e um bom dançarino devoto de Xangô sacode a saia enquanto dança)
Sabe aqueles irmãos do continente famosos pelas coreografias que fazem carregando caixões? (os vídeos com memes são maravilhosos!) Eles participam de festas de sepultamentos. Na cultura Yorùbá se a pessoa viveu, teve filhos e PRINCIPALMENTE se ela morreu velha, a vida dela DEVE ser celebrada. Então pra essa pessoa será sim, feita uma festa bem grande para comemorar a vida e tudo o que aquela pessoa fez pela sua família além de todos os ensinamentos, e como ela irá (retornar) ao Ọ̀run (que não é o céu), pedir que ela olhe por todos quando estiver lá. Abaixo eu coloco um fragmento de um texto do Felix Akinsipe,um artista Yorùbá que achei no google(nem sei o nome do texto, pqp) onde ele diz o seguinte:
“A dança em um funeral se torna uma oportunidade para os filhos do falecido honrarem seus pais. A dança funciona como reciprocidade entre pais e filhos. Quando uma criança nasce, os pais dançam em sua homenagem. A maioria das despesas do casamento de um filho é arcada por seus pais. Agora é a hora das crianças honrarem seus pais por tudo que receberam deles ao longo dos anos. Esta é outra razão pela qual os iorubás valorizam as crianças. A morte se torna uma ocasião para os filhos honrarem seus parentes.”
Então, entendemos que a dança está presente na cultura Yorùbá em todos os momentos. E nós herdamos isso também, obviamente. Pra tudo no candomblé praticamente se dança também. Quando em uma festa o Òrìṣà está ali no meio de todas as pessoas dançando, não é só por dançar. Além de espalhar seu àṣẹ (Axé) abençoando todos os presentes, ele está contando a sua própria história de guerras, vitórias e etc através da sua dança.
Mágico, não?!
Sabe aquele arrepio que você sente quando escuta um tambor? Aquele coração acelerado quando tocam para o teu Òrìṣà? Aquela vontade de dançar ao ver uma festa de candomblé pela primeira vez na vida? É isso mesmo. É a tua memória ancestral gritando:”Porra, até que enfim, hein?! Agora sim!”
OníṢàngó tó jó tí kò tàpá, àbùkù ara ẹ̀
O devoto de Xangô que dança e não chuta suas próprias pernas desgraça a si mesmo.
E aí eu dei essa volta toda para falar não só sobre uma parte da cultura Yorùbá mas também para falar sobre o autocuidado inserido nisso. Dançar é fazer o corpo vibrar. Dar movimento ao corpo e a alma e também gerar energia para o evento que está prestes a acontecer, seja ele qual for. Eu comecei falando no texto que eu não gosto de dançar, né?! Agora no final do texto já estou em uma reflexão sobre todas as vezes que quis dançar mas não o fiz por vergonha. Ao mesmo tempo, sabe aquela galera branca desengonçada pra cacete que dança mal para um caralho sem vergonha nenhuma do micão? Porque eu, homem preto Yorùbá, deveria ter vergonha de dançar e saudar o legado que os meus ancestrais deixaram para mim?! Não tem cabimento! Espero que em uma próxima ocasião, quando você sentir vontade de dançar, dance! Vai agradar seu corpo, sua alma e seus ancestrais também. Vá descolonizar esse quadril e rebolar o cuscuz.
Àṣẹ o